Os procuradores que formam a força-tarefa da Operação Lava Jato reagiram nesta quarta-feira à cirurgia feita na noite de ontem, pela Câmara, em seu projeto de medidas para combater a corrupção. Os deputados desfiguraram o projeto para jogá-lo contra seus autores– no caso, o Ministério Público Federal. A pretexto de evitar “abusos de autoridades”, introduziram artigos que têm a função de intimidar investigadores e juízes, reduzir seu ímpeto investigatório. Era uma atitude esperada de um meio político devastado pela Lava Jato e prestes a cair de joelhos pelas revelações advindas do acordo de delação premiada da empreiteira Odebrecht. Diante disso, os procuradores avisaram que, caso o projeto termine sancionado como está pelo presidente Michel Temer, renunciarão a seus cargos e abandonarão a maior e mais efetiva investigação da história do Brasil contra a corrupção.
Grosso modo, o Congresso gritou “truco!” e a força-tarefa da Lava Jato respondeu com um “Seis, ladrão!”. Como no jogo de truco, cada lado sabe quais cartas tem, mas não sabe o poder das do outro. Os procuradores da Lava Jato ousam. Contam com o apoio popular que a Lava Jato angariou nesses dois anos, ao colocar na cadeia políticos e outros poderosos acusados de pilhar o patrimônio público em bilhões de reais. Esperam, com isso, ter força extra para pressionar o Senado, onde o projeto será apreciado e conduzido com pressa por um presidente, Renan Calheiros, do PMDB, investigado com autorização do Supremo Tribunal Federal em oito inquéritos derivados de descobertas da Lava Jato. Os procuradores esperam também arregimentar apoio de movimentos populares, que já marcam manifestações nas ruas para os próximos dias. Esperam a adesão do Poder Judiciário como instituição. Nesta quarta-feira (30), a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, reagiu contra o projeto. “A democracia depende de Poderes fortes e independentes. O Judiciário é, por imposição constitucional, guarda da Constituição e garantidor da democracia [...] Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça”, disse, em nota. Em última instância, os procuradores esperam que o presidente Michel Temer ceda diante dos apelos das ruas e do Judiciário, contra a tentativa do Congresso de se blindar a investigações e punições por corrupção.
O que está na mesa é o início de uma guerra entre os Poderes da República. Se Cármen Lúcia, presidente do Judiciário, está ao lado da Lava Jato, o presidente do Legislativo, Renan Calheiros, está no lado oposto. “No regime democrático, propor teste de integridade, reportante do bem, fim do habeas corpus, validação de prova ilícita, isso tudo é defensável no fascismo, mas no estado de direito democrático, por favor, não”, disse Renan nesta quarta-feira. Ele sinaliza que o Legislativo brasileiro quer repetir o que fez o italiano há 20 anos, quando driblou os efeitos da Operação Mãos Limpas e restaurou seus esquemas de corrupção. No limite, Michel Temer, o presidente do Poder Executivo, terá de mediar esse conflito. Se chegar a tal ponto, sua escolha recairá entre optar por um Brasil novo, do combate à corrupção, que se impõe; ou um Brasil velho, que encobre a corrupção e tenta resistir a tempos diferentes. Obviamente, Temer não quer se colocar nessa fria.