O julgamento do recurso de Luiz Inácio Lula da Silva nesta quarta-feira (24) pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, não deverá determinar, de imediato, o que acontecerá com o ex-presidente nas esferas eleitoral e criminal.
O TRF julgará o recurso apresentado pela defesa de Lula contra a condenação a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do tríplex do Guarujá determinada pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, responsável pelos processos da Operação Lava Jato na primeira instância da Justiça Federal.
Se confirmada a condenação, a possibilidade de novo recurso ao próprio tribunal ou a instâncias superiores ainda deverá adiar, por tempo variável, a definição sobre o direito ou não de Lula concorrer à Presidência da República e sobre uma eventual ordem de prisão.
Se Lula for absolvido, o Ministério Público poderá recorrer para manter a condenação determinada no ano passado por Sérgio Moro – o TRF-4 é um tribunal de segunda instância; acima, estão o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), ambos em Brasília.
Cenários
Entenda abaixo os cenários possíveis para o julgamento:
ABSOLVIÇÃO
Se por qualquer resultado, os desembargadores rejeitarem a sentença de Moro, Lula é inocentado e com isso ficará livre para concorrer na eleição deste ano e também não correrá risco de ir à prisão.
O Ministério Público poderá recorrer da sentença ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), instância acima do TRF-4 e tentar condená-lo novamente.
CONDENAÇÃO
A eventual condenação nesta quarta-feira não leva automaticamente à prisão nem à inegibilidade.
Quanto à prisão, o atual entendimento no Judiciário é que é possível após a condenação em segunda instância (como também é o caso do TRF-4). A ordem de prisão só é emitida após o julgamento de todos os recursos possíveis ao próprio TRF4.
A Lei da Ficha Limpa determina que condenados por um tribunal colegiado (formado por um grupo de juízes, como é o caso do TRF-4) ficam inelegíveis.
A inegibilidade só pode ser declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – nesse caso, mesmo condenado em segunda instância, Lula poderá concorrer "sub judice" (entenda mais abaixo).
RECURSOS
Há dois tipos de recursos que a defesa de Lula pode apresentar ao TRF4 para derrubar a eventual condenação, a depender do resultado do julgamento:
Se 3 a 0 pela condenação: Nesse caso, é possível apresentar um recurso chamado “embargos de declaração”. Esse tipo de recurso não tem poder de reverter o resultado e inocentar o condenado – serve apenas para esclarecer ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão na sentença. A resolução costuma ser mais rápida e é feita em outra sessão pelos mesmos desembargadores que fizeram o julgamento.
Se 2 a 1 pela condenação: Se houver um voto favorável a Lula, a defesa poderá apresentar “embargos de declaração com efeitos infringentes”, recurso que tem poder para reverter a condenação. Isso pode ocorrer não só em relação à acusação em si, mas também em relação à pena estipulada no julgamento. Esse recurso, no entanto, será julgado por mais desembargadores: além dos 3 integrantes da 8ª Turma, participam outros 3 da 7ª Turma: Márcio Antônio Rocha, Claudia Cristina Cristofani e Salise Monteiro Sanchotene. O julgamento costuma levar mais tempo para ser marcado, em razão da maior divergência.
De eventual condenação no TRF-4, ainda caberá recurso ao STJ e depois ao STF.
Nos dois tribunais, a defesa não poderá mais questionar os fatos e provas do processo.
O julgamento avaliará somente questões de direito, isto é, se a lei foi aplicada corretamente para caracterizar a condenação ou se houve algum erro processual na tramitação da ação.
No primeiro caso, pode haver absolvição; no segundo, o processo volta às instâncias de origem e recomeça a partir do ponto onde ocorreu a nulidade.
Acusação
O ex-presidente foi acusado de corrupção e lavagem de dinheiro por supostamente receber da construtora OAS um apartamento tríplex reformado no Guarujá (SP).
A suposta vantagem, que teria custado R$ 2,2 milhões, teria saído de uma cota de propina destinada ao PT em troca de contratos da construtora com a Petrobras.
Defesa
A defesa de Lula nega as acusações, diz que ele nunca foi dono do apartamento e que o imóvel sempre esteve em nome da construtora.
O recurso do ex-presidente será julgado pelos desembargadores Victor Luiz dos Santos Laus, João Pedro Gebran Neto e Leandro Paulsen, que compõem a 8ª Turma do TRF-4.
Inelegibilidade
A inelegibilidade em caso de condenação não é definida pelo TRF-4, mas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O registro da candidatura deve ser feito até 15 de agosto. Até lá, Lula poderá mobilizar apoio para a candidatura.
Se antes disso, o TRF-4 finalizar seu julgamento e mantiver a condenação, o TSE deve rejeitar a candidatura, com base na Lei da Ficha Limpa.
A própria lei, no entanto, prevê uma exceção: o condenado pode tentar obter uma decisão liminar (provisória) no STJ para suspender a condenação e garantir a candidatura.
Nesse caso, porém, o processo da condenação passa a ter prioridade no STJ, para ser julgado rapidamente.
Na hipótese de o STJ manter uma eventual condenação pelo TRF-4 e assim derrubar a liminar que permite a candidatura, Lula – caso venha a ser eleito – teria o registro de candidatura cassado ou o diploma anulado.
Até 17 de setembro (20 dias antes das eleições), o PT poderá substituir Lula como candidato, indicando outro filiado para concorrer. Esta também é a data-limite para o TSE validar ou não o registro de candidatura.
Ocorre que, muitas vezes, o processo de registro não é concluído até 17 de setembro, devido a recurso do candidato ao próprio TSE contra a rejeição da candidatura.
Nesse caso, o político, mesmo condenado, concorre “sub judice”, isto é, com a candidatura sob risco.
A situação, então, só é definida no momento da diplomação, em 19 de dezembro. Se eventualmente Lula vencer o pleito, mas continuar condenado, perde o direito de assumir a Presidência e são convocadas novas eleições.
Uma última hipótese possível é Lula eleito, mesmo condenado pelo STJ, ser diplomado e tomar posse com um recurso ao STF.
Nesse caso, só perderia o mandato com uma ação no TSE para cassação do diploma.
Prisão
A prisão após a condenação em segunda instância passou a ser permitida após um julgamento em fevereiro de 2016 no STF, que confirmou tal entendimento em outras duas ocasiões naquele ano.
Essa jurisprudência, no entanto, não obriga o tribunal de segunda instância a prender a pessoa após a condenação – apenas permite.
O Ministério Público, no entanto, quase sempre pede a prisão, e o TRF-4 costuma atender.
Mas isso em geral só ocorre quando se entende que nas instâncias superiores (STJ e STF) o processo pode se prolongar a ponto de prescrever, quando a demora na decisão final impede a Justiça de punir.
Mesmo se houver determinação de prisão pelo TRF-4, a defesa, ainda assim, poderá recorrer ao STJ ou mesmo ao STF para derrubar a ordem.
No próprio STF, vários ministros já soltaram condenados em segunda instância por considerarem que eles ainda podem ser inocentados nas instâncias superiores.
Em 2017, vários ministros defenderam a volta do entendimento anterior, pelo qual a prisão só é possível após esgotados todos os recursos, no STJ e no próprio STF.