Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal rejeitaram pedido de habeas corpus para impedir a prisão antecipada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do tríplex do Guarujá (SP). A decisão abre caminho para que o petista seja preso após o processo esgotar a etapa da segunda instância.
Lula não será preso imediatamente, porque o TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), corte de segundo grau, ainda não concluiu a análise de todos os recursos do ex-presidente.
Somente após a rejeição dessa nova apelação pelos desembargadores do TRF4 — o que pode acontecer já no dia 11 de abril — é que será considerada esgotada a jurisdição de segunda instância.
A partir daí, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região irá enviar um ofício ao juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba (PR), que condenou Lula em primeira instância e que é responsável por emitir a ordem de prisão.
De acordo com o juiz Sérgio Moro (primeira instância) e os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Victor Laus e Leandro Paulsen (segunda instância), Lula foi favorecido pela empreiteira OAS com a reserva e reforma de um apartamento tríplex na orla do Guarujá, litoral de São Paulo. Em troca, o ex-presidente teria ajudado a empresa a obter contratos junto a Petrobras.
Lula nega ter recebido o apartamento como propina e diz ser vítima de perseguição da Justiça Federal e do Ministério Público Federal, com o objetivo de barrá-lo na disputa presidencial de outubro deste ano. O petista lidera todas as pesquisas de intenção de voto.
O caso de Lula trouxe à tona uma antiga polêmica no STF: a execução de pena após condenação em segunda instância. Esse entendimento não era permitido entre 2009 e 2016, quando a corte decidiu, em
votação apertada (6 a 5), autorizar a execução provisória de pena.
O julgamento
A ministra Cármen Lúcia, presidente do tribunal, foi a última a votar e desempatou o julgamento no sentido de não conceder o habeas corpus ao ex-presidente. Ela afirmou manter o mesmo entendimento que marcou seus votos desde 2009 como justificativa para o voto.
Cármen já havia votado em sessões anteriores pela possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância — para ela, o princípio de presunção de inocência não seria ferido.
Antes da votação, o advogado de Lula Roberto Batochio, apresentou questão de ordem contra a participação da presidente Cármen Lúcia. Os ministros decidiram em unanimidade que ela deveria proferir o voto. Ela seguiu o voto do relator.
Veja a seguir como votaram os demais ministros:
Edson Fachin
Ele negou o habeas corpus argumentando que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) havia usado entendimento do próprio STF para também rejeitar o habeas corpus.
— Seria possível dizer que haveria ilegalidade ou abuso de poder em um ato apontado com o coator no qual é seguida a jusrisprudência majoritariamente no Supremo Tribunal Federal? [...] A ilegalidade apontada [pela defesa de Lula] não merece a meu ver ser reconhecida.
Gilmar Mendes
O
ministro Gilmar Mendes pediu a antecipação do voto dele, por ter um voo internacional marcado. Ele votou favorável ao habeas corpus de Lula, criticou o uso indevido da prisão após condenação em segunda instância e em seguida
se dirigiu ao aeroporto.
Segundo o magistrado, a possibilidade de prisão em segunda instância foi interpretada por instâncias inferiores como "imperativo categórico", o que, na sua visão, está levando a uma "confusão" com relação a esse entendimento, já que o procedimento não é uma "obrigatoriedade".
— A execução antecipada, na linha do quanto decidido por este tribunal, é de que seria possível [a execução da pena]. Porém essa possibilidade tem se aplicado automaticamente, para todos os casos e em qualquer situação, independentemente da natureza do crime, da sua gravidade e do quantum da pena.
Com isso, Mendes muda o entendimento que tinha em 2016, quando votou a favor da prisão em segunda instância.
Alexandre de Moraes
O
ministro Alexandre de Moraes acompanhou o voto do relator e negou o habeas corpus. Ele também não reconheceu ilegalidade ou abuso de poder, requisitos necessários a concessão do HC.
— Somente primeira e segunda instâncias têm cognição plena de matéria jurídica e fática. Quem vai analisar questão probatória, quem vai valorar testemunhas com as demais provas, quem vai analisar e, no caso dos tribunais, reanalisar são primeira e segunda instâncias. Não compete ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal analisar matéria fática.
Luís Roberto Barroso
Quarto voto contra o habeas corpus, o
ministro Luís Roberto Barrosoressaltou que o Supremo "não funciona como uma quarta instância do julgamento que se iniciou na 13ª Vara Federal de Curitiba". Segundo ele, a sessão de hoje não tratava do mérito da condenação do ex-presidente.
— Isso [mérito] deve ser discutido em outro tipo de procedimento. O que nós estamos analisando aqui é um habeas corpus impetrado contra uma decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que em cumprimento da orientação do Supremo Tribunal Federal, determinou que após a condenação em segundo grau de jurisdição a decisão poderia ser prontamente executada.
Barroso ainda defendeu a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
— Nenhuma interpretação jurídica que leve ao absurdo pode ser uma interpretação jurídica legítima e sustentável. Prefiro outra, interpretar de uma forma que conduza ao que é justo, correto e legítimo.
Ainda segundo Barroso, apenas 0,035% dos processos que chegam ao Supremo são revertidos em absolvição do réu. Ele usou esse argumento para mostrar que não há necessidade de aguardar a chegada dos recursos ao STF para executar a pena.
Rosa Weber
O
voto da ministra Rosa Weber era considerado “chave” no julgamento de hoje, porque ela é pessoalmente contra a prisão após a segunda instância, mas tem votado de acordo com a jurisprudência da maioria da corte, que desde 2016 admite a possibilidade de execução da pena nesse estágio do processo. Em seu voto, a ministra manteve exatamente essa postura.
— Não tenho como reputar ilegal, abusivo ou teratológico [argumentos usados pela defesa de Lula] acórdão [do STJ] que, forte nessa compreensão do tribunal, rejeita o habeas corpus, independentemente quanto à minha posição pessoal ao tema de fundo.
As declarações de Rosa Weber sobre a manutenção do entendimento de 2016 da corte, em detrimento de sua visão pessoal, causou imediata reação dos ministros Ricardo Lewandovski e Marco Aurélio Mello, que são contra a prisão em segunda instância.
Luiz Fux
Segundo Fux, a presunção de inocência não inibe a execução provisória da pena. Ele argumentou que o mecanismo passou a ser praticado em todo o território nacional e assim foi chamado de “legitimidade democrática das decisões judiciais”.
— A sociedade não consegue compreender como uma pessoa é considerada inocente até o trânsito em julgado mesmo 20 anos depois do crime, depois de sentenciada e condenada com afirmação da sua culpabilidade.
José Antonio Dias Toffoli
O ministro
Dias Toffoli acolheu de forma parcial o pedido do ex-presidente Lula. Antes de informar a sua decisão, o magistrado chamou o voto de Rosa Weber de “primoroso” e elogiou o advogado José Roberto Batochio, que defende Lula.
O ministro disse que, assim como a ministra Rosa Weber, respeita o princípio da colegialidade, mas que não pode haver "petrificação" da jurisprudência caso o tema volte ao plenário.
— Eu entendo a possibilidade de se reabrir o embrulho e de se enfrentar a decisão de fundo.
Ele ainda defendeu que a execução provisória da sentença condenatória se inicie após julgamento de recurso pelo STJ, que seria uma terceira instância.
Ricardo Lewandowski
Seguindo o voto divergente do ministro Gilmar Mendes,
Ricardo Lewandowski acolheu o habeas corpus e levou o placar para 5 a 3 a favor da prisão antecipada. O magistrado afirmou que o julgamento vai entrar para a história como o dia “em que essa suprema corte colocou o sagrado direito à liberdade em um patamar inferior ao direito de propriedade”.
Posicionando-se de forma contrária à prisão antecipada de pena antes do chamado “trânsito em julgado”, Lewandowski afirmou que essa possibilidade é contrária ao que estabelece a Constituição.
— É possível restituir a liberdade de alguém se houver reforma de sentença condenatória no STJ e no STF, com juros e correção monetária? Não, senhora presidente. A vida não se repõe jamais.
Marco Aurélio Mello
Com várias referências ao artigo 5º, inciso 57, da Constituição Federal, que trata da “presunção de inocência”, o ministro
Marco Aurélio Mello acolheu o habeas corpus entendendo que o ex-presidente não pode ser preso de forma antecipada antes que a justiça brasileira analise todos os recursos possíveis.
Para o ministro, a "presunção de inocência" é uma condição para que se possa chegar à execução da pena.
— No Brasil presume-se que todos sejam salafrários até prova em contrário.
Celso de Mello
Ministro mais antigo da corte, Celso de Mello também
acolheu o habeas corpus e empatou o julgamento em 5 a 5, antes do voto final da presidente Cármen Lúcia.
O magistrado repetiu que a prisão antecipada de um réu representa "ruptura da ordem constitucional".
— A execução prematura da pena é frontalmente incompatível com o direito fundamental do réu de ser considerado inocente.
Para Mello, "ainda que se insista que existam recursos demais, isso não é problema do Judiciário ou do réu, é da lei, do Legislativo".
— O legislador poderia reduzir as possibilidades de recursos, reduzir interposição e, assim, permitir a execução da pena mais cedo, mas após o trânsito em julgado.