Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal rejeitaram pedido de habeas corpus para impedir a prisão antecipada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do tríplex do Guarujá (SP). A decisão abre caminho para que o petista seja preso após o processo esgotar a etapa da segunda instância.
Lula não será preso imediatamente, porque o TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), corte de segundo grau, ainda não concluiu a análise de todos os recursos do ex-presidente.
A defesa de Lula tem até a próxima terça-feira (10) para entrar com o último recurso (o chamado “embargo dos embargos de declaração”) contra a decisão da 8ª turma do TRF4, que condenou o petista em janeiro a 12 anos e 1 mês de prisão no caso “tríplex”.
Somente após a rejeição dessa nova apelação pelos desembargadores do TRF4 — o que pode acontecer já no dia 11 de abril — é que será considerada esgotada a jurisdição de segunda instância.
A partir daí, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região irá enviar um ofício ao juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba (PR), que condenou Lula em primeira instância e que é responsável por emitir a ordem de prisão.
De acordo com o juiz Sérgio Moro (primeira instância) e os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Victor Laus e Leandro Paulsen (segunda instância), Lula foi favorecido pela empreiteira OAS com a reserva e reforma de um apartamento tríplex na orla do Guarujá, litoral de São Paulo. Em troca, o ex-presidente teria ajudado a empresa a obter contratos junto a Petrobras.
Lula nega ter recebido o apartamento como propina e diz ser vítima de perseguição da Justiça Federal e do Ministério Público Federal, com o objetivo de barrá-lo na disputa presidencial de outubro deste ano. O petista lidera todas as pesquisas de intenção de voto.
O caso de Lula trouxe à tona uma antiga polêmica no STF: a execução de pena após condenação em segunda instância. Esse entendimento não era permitido entre 2009 e 2016, quando a corte decidiu, em votação apertada (6 a 5), autorizar a execução provisória de pena.
No pedido de habeas corpus derrotado hoje, os advogados de Lula recorriam contra decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que negou habeas corpus no início de março. Recorrendo ao artigo 5º, inciso 57 da Constituição Federal, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", a defesa alegava que a decisão do STJ era ilegal e cometia abuso de poder.
O julgamento
A ministra Cármen Lúcia, presidente do tribunal, foi a última a votar e desempatou o julgamento no sentido de não conceder o habeas corpus ao ex-presidente. Ela afirmou manter o mesmo entendimento que marcou seus votos desde 2009 como justificativa para o voto.
Cármen já havia votado em sessões anteriores pela possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância — para ela, o princípio de presunção de inocência não seria ferido.
Antes da votação, o advogado de Lula Roberto Batochio, apresentou questão de ordem contra a participação da presidente Cármen Lúcia. Os ministros decidiram em unanimidade que ela deveria proferir o voto. Ela seguiu o voto do relator.
Veja a seguir como votaram os demais ministros:
Primeiro a votar, o ministro relator Edson Fachin defendeu que o julgamento de Lula tivesse efeito somente no caso do ex-presidente.
Ele negou o habeas corpus argumentando que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) havia usado entendimento do próprio STF para também rejeitar o habeas corpus.
— Seria possível dizer que haveria ilegalidade ou abuso de poder em um ato apontado com o coator no qual é seguida a jusrisprudência majoritariamente no Supremo Tribunal Federal? [...] A ilegalidade apontada [pela defesa de Lula] não merece a meu ver ser reconhecida.
Mendes deixou o STF ainda de tarde para ir a Portugal
DID
O ministro Gilmar Mendes pediu a antecipação do voto dele, por ter um voo internacional marcado. Ele votou favorável ao habeas corpus de Lula, criticou o uso indevido da prisão após condenação em segunda instância e em seguida se dirigiu ao aeroporto.
Segundo o magistrado, a possibilidade de prisão em segunda instância foi interpretada por instâncias inferiores como "imperativo categórico", o que, na sua visão, está levando a uma "confusão" com relação a esse entendimento, já que o procedimento não é uma "obrigatoriedade".
— A execução antecipada, na linha do quanto decidido por este tribunal, é de que seria possível [a execução da pena]. Porém essa possibilidade tem se aplicado automaticamente, para todos os casos e em qualquer situação, independentemente da natureza do crime, da sua gravidade e do quantum da pena.
Com isso, Mendes muda o entendimento que tinha em 2016, quando votou a favor da prisão em segunda instância.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o voto do relator e negou o habeas corpus. Ele também não reconheceu ilegalidade ou abuso de poder, requisitos necessários a concessão do HC.
— Somente primeira e segunda instâncias têm cognição plena de matéria jurídica e fática. Quem vai analisar questão probatória, quem vai valorar testemunhas com as demais provas, quem vai analisar e, no caso dos tribunais, reanalisar são primeira e segunda instâncias. Não compete ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal analisar matéria fática.
Quarto voto contra o habeas corpus, o ministro Luís Roberto Barrosoressaltou que o Supremo "não funciona como uma quarta instância do julgamento que se iniciou na 13ª Vara Federal de Curitiba". Segundo ele, a sessão de hoje não tratava do mérito da condenação do ex-presidente.
— Isso [mérito] deve ser discutido em outro tipo de procedimento. O que nós estamos analisando aqui é um habeas corpus impetrado contra uma decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que em cumprimento da orientação do Supremo Tribunal Federal, determinou que após a condenação em segundo grau de jurisdição a decisão poderia ser prontamente executada.
Barroso ainda defendeu a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
— Nenhuma interpretação jurídica que leve ao absurdo pode ser uma interpretação jurídica legítima e sustentável. Prefiro outra, interpretar de uma forma que conduza ao que é justo, correto e legítimo.
Ainda segundo Barroso, apenas 0,035% dos processos que chegam ao Supremo são revertidos em absolvição do réu. Ele usou esse argumento para mostrar que não há necessidade de aguardar a chegada dos recursos ao STF para executar a pena.
O voto da ministra Rosa Weber era considerado “chave” no julgamento de hoje, porque ela é pessoalmente contra a prisão após a segunda instância, mas tem votado de acordo com a jurisprudência da maioria da corte, que desde 2016 admite a possibilidade de execução da pena nesse estágio do processo. Em seu voto, a ministra manteve exatamente essa postura.
— Não tenho como reputar ilegal, abusivo ou teratológico [argumentos usados pela defesa de Lula] acórdão [do STJ] que, forte nessa compreensão do tribunal, rejeita o habeas corpus, independentemente quanto à minha posição pessoal ao tema de fundo.
As declarações de Rosa Weber sobre a manutenção do entendimento de 2016 da corte, em detrimento de sua visão pessoal, causou imediata reação dos ministros Ricardo Lewandovski e Marco Aurélio Mello, que são contra a prisão em segunda instância.
Sexto a votar, o ministro Luiz Fux se posicionou contra a concessão de habeas corpus, levando o placar para 5 a 1 a favor da prisão antecipada.
Segundo Fux, a presunção de inocência não inibe a execução provisória da pena. Ele argumentou que o mecanismo passou a ser praticado em todo o território nacional e assim foi chamado de “legitimidade democrática das decisões judiciais”.
— A sociedade não consegue compreender como uma pessoa é considerada inocente até o trânsito em julgado mesmo 20 anos depois do crime, depois de sentenciada e condenada com afirmação da sua culpabilidade.
O ministro Dias Toffoli acolheu de forma parcial o pedido do ex-presidente Lula. Antes de informar a sua decisão, o magistrado chamou o voto de Rosa Weber de “primoroso” e elogiou o advogado José Roberto Batochio, que defende Lula.
O ministro disse que, assim como a ministra Rosa Weber, respeita o princípio da colegialidade, mas que não pode haver "petrificação" da jurisprudência caso o tema volte ao plenário.
— Eu entendo a possibilidade de se reabrir o embrulho e de se enfrentar a decisão de fundo.
Ele ainda defendeu que a execução provisória da sentença condenatória se inicie após julgamento de recurso pelo STJ, que seria uma terceira instância.
Seguindo o voto divergente do ministro Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski acolheu o habeas corpus e levou o placar para 5 a 3 a favor da prisão antecipada. O magistrado afirmou que o julgamento vai entrar para a história como o dia “em que essa suprema corte colocou o sagrado direito à liberdade em um patamar inferior ao direito de propriedade”.
Posicionando-se de forma contrária à prisão antecipada de pena antes do chamado “trânsito em julgado”, Lewandowski afirmou que essa possibilidade é contrária ao que estabelece a Constituição.
— É possível restituir a liberdade de alguém se houver reforma de sentença condenatória no STJ e no STF, com juros e correção monetária? Não, senhora presidente. A vida não se repõe jamais.
Com várias referências ao artigo 5º, inciso 57, da Constituição Federal, que trata da “presunção de inocência”, o ministro Marco Aurélio Mello acolheu o habeas corpus entendendo que o ex-presidente não pode ser preso de forma antecipada antes que a justiça brasileira analise todos os recursos possíveis.
Para o ministro, a "presunção de inocência" é uma condição para que se possa chegar à execução da pena.
— No Brasil presume-se que todos sejam salafrários até prova em contrário.
Ministro mais antigo da corte, Celso de Mello também acolheu o habeas corpus e empatou o julgamento em 5 a 5, antes do voto final da presidente Cármen Lúcia.
O magistrado repetiu que a prisão antecipada de um réu representa "ruptura da ordem constitucional".
— A execução prematura da pena é frontalmente incompatível com o direito fundamental do réu de ser considerado inocente.
Para Mello, "ainda que se insista que existam recursos demais, isso não é problema do Judiciário ou do réu, é da lei, do Legislativo".
— O legislador poderia reduzir as possibilidades de recursos, reduzir interposição e, assim, permitir a execução da pena mais cedo, mas após o trânsito em julgado.
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